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Transição energética: CFOs e especialistas do setor discutem oportunidades e caminhos para gerenciar riscos

Como administrar o ponto ótimo de risco-retorno na gestão e investimentos em energia, commodity de altíssima volatilidade e que impacta tudo e a todos? Grandes lideranças do setor apontaram caminhos na live “Transição energética no Brasil” realizada pelo IBEF-SP no último dia 30 de novembro.

O evento possibilitou uma ampla visão sobre o momento atual, as perspectivas setoriais e os modelos de negócios que poderão ser aplicados a diferentes perfis e tamanhos de consumidores. 

Panorama setorial – Em sua palestra, Ricardo Cyrino, CEO da Atiaia Renováveis, apresentou um panorama do setor. Segundo Cyrino, tanto a pauta da transição energética quanto a climática andam juntas e estão focadas na descarbonização, isto é, no abandono de combustíveis fósseis. Isso gera uma oportunidade de médio prazo, por exemplo, viabilizando o mercado de crédito de carbono e melhoria na condição climática do planeta.  

Em 2000, a matriz elétrica brasileira era composta por usinas térmicas (17%) e hidrelétricas (83%). A perspectiva para 2030 é de que as fontes eólicas ganhem espaço, atingindo 15% da geração, as fontes solares 4%, enquanto as térmicas alcancem 26% e as hidrelétricas reduzam sua participação a 55%. Nesse sentido, “o Brasil tem um grande potencial, pois é um país abençoado pela natureza: possui riqueza de fontes hídricas, o sol distribuído no território inteiro, um dos melhores ventos para a geração de energia elétrica do mundo, além de outras riquezas como o urânio, o gás no Pré-Sal. Enfim, várias oportunidades para o Brasil uma vez que nossa matriz elétrica é super limpa”. 

Desafios – O CEO destacou que o país deve enfrentar muitos desafios econômicos e políticos de curto prazo para a transição energética, como os custos pressionados na construção civil e no CAPEX relacionado às fontes renováveis, os juros mais elevados, crédito mais caro, turbulência no câmbio, questões políticas e ano eleitoral, controle das contas públicas, entre outros. Apesar disso, Cyrino afirmou que a transição energética é um caminho sem volta. “O ponto é que ela precisa ser melhor planejada e ser mais suave para que possamos assegurar sustentabilidade econômica e social, não adianta só pensar na pauta climática”. 

Com relação ao sistema elétrico, Cyrino destacou que os principais desafios se relacionam a composição da matriz, da qual 24% provêm de fontes não despacháveis, fato que gera dificuldade de gerenciamento para o operador nacional. A rede de transmissão de dimensão continental, a restrição de escoamento e conexão para as fontes renováveis, a perda da capacidade de armazenamento dos reservatórios e o fluxo de energia multidirecional são características do sistema elétrico nacional que se colocam como desafios para o futuro. 

Solução estrutural – Cyrino destacou que desde 2015 existe o Programa de Modernização do Setor Elétrico que busca, entre outros pontos, abordar e desenvolver soluções para uma correta alocação de custos e riscos, a redução dos subsídios, a contratação de segurança energética, a reformulação dos modelos de formação de preços – desenvolvidos em 1990 quando a matriz energética ainda era hidrotérmica – e, por fim, a abertura de mercado. “A abertura de mercado é super importante, mas deve ser acompanhada de todos os itens precedentes”, pontuou o CEO da Atiaia Renováveis. 

Principalmente no mercado livre de energia,Cyrino afirmou que é possível identificar muita criatividade nos modelos de negócios, sofisticação nos produtos e variados modelos de produção. “Existe espaço para criar, fazer novos desenhos, negociar. Hoje estamos fazendo ‘alfaiataria’ dos contratos, isto é, buscar o que o cliente necessita e customizar”.  

Discussão estrutural

Em seguida, participaram de uma discussão estrutural do setor de energia Carlos Pompermaier, vice-presidente jurídico, de compliance, regulatório e de auditoria da AES Brasil; e José Roberto Oliveira Jr., sócio no Pinheiro Neto Advogados. 

Autoprodução de energia – Carlos Pompermaier abordou o tema da autoprodução de energia. Segundo o speaker, a base jurídica que permite essa operação foi implantada na década de 1990 e se verifica quando um consumidor intensivo de energia toma a decisão de investir fora do seu core business para produzir parcial ou totalmente eletricidade para seu uso exclusivo. “Essa modalidade passou um tempo adormecida, mas nos últimos 5 anos, com o barateamento e a difusão das energias renováveis, ganhou uma atratividade muito grande”, explicou o painelista. 

De um lado, a escolha pela autoprodução comporta benefícios econômicos para a empresa que optou por gerar sua própria energia devido a descontos de encargos setoriais. “Trata-se de um desconto de 30% no preço da energia, o que é muito convidativo, principalmente em um ambiente de crise e preços elevados”,  observou o executivo da AES Brasil.

Mas por outro, como pontuou Pompermaier, a empresa deve levar em consideração os riscos e custos relacionados à construção de um parque eólico ou solar. “Trata-se de algo que, inicialmente, pode parecer óbvio, mas que demanda um grau de sofisticação e assessores que tenham experiência, que entendam do assunto, tenham conhecimento da gestão e saibam lidar com modelos de autoprodução. Algo que temos feito com sucesso nesses últimos dois ou três anos”. 

Modelo de arrendamento – José Roberto Oliveira Jr., sócio no Pinheiro Neto Advogados, abordou o modelo de produção baseado no arrendamento, presente no mercado livre, como forma de baratear os custos relacionados à energia. Segundo o speaker, esse modelo não é o mais utilizado, mas pode ser vantajoso, por exemplo, para empresas exportadoras. Além dos encargos setoriais, existe a possibilidade de não incidência de ICMS, o que é bastante relevante. Todavia, esse modelo também apresenta pontos negativos, como uma menor flexibilidade do ponto de vista de alocação de riscos, principalmente porque o consumidor toma o risco perante a ANEEL. 

É ainda assim um modelo bastante relevante e que vem sendo estudado por todas as empresas eletrointensivas.  “Estamos vendo-o se popularizar também pelo fator ASG, pois muitas empresas vêm buscando investir em empreendimentos próprios para também demonstrar a preocupação com essa temática e o utilizo de energia de fontes renováveis. Além disso, tendo essa energia própria com contratos de 10, 15 ou 20 anos, a empresa institui uma parceria de longo prazo que traz uma segurança jurídica”, concluiu José Roberto.

Geração distribuída – Para os consumidores que atuam no mercado regulado, o speaker ressaltou que existe o modelo da geração distribuída que se refere, por exemplo, às placas solares colocadas no telhado das empresas com autoprodução remota. “Alguns falam que lato sensu também é uma autoprodução, mas juridicamente ele tem uma regulamentação diferente”, esclareceu Oliveira Jr. 

A partir de 2016, com a isenção do ICMS, esse modelo começou a fazer sentido para as empresas, sendo bastante desenvolvido e utilizado em supermercados, drogaria, hospitais e na indústria em geral por aqueles que não tem a possibilidade de ir para o mercado livre ou realizar a autoprodução. Esse modelo proporciona um desconto de 10 a 15% no preço da tarifa, o que já é considerado relevante, além de ser uma forma de buscar a segurança em energia.  

Mesa-redonda com CFOs

Na segunda etapa do encontro foi realizada uma mesa redonda com CFOs, moderada por Camila Abel, vice-presidente de Relações Institucionais do IBEF-SP e gerente geral de Tesouraria, RI e Controladoria da CBA. Participaram: Aurélio Bustilho, CFO da Enel Américas; Denise Francisco, CFO da Evoltz; Leonardo Gadelha, CFO e DRI da Neoenergia; e Marcelo Jesus, CFO da Cesp.

Alternativas para a crise – Aurélio Bustilho, CFO da Enel Américas, abordou alternativas para a atual crise energética. Segundo o executivo, a sociedade ainda terá que conviver com a volatilidade do setor em 2022, pois a atual crise hídrica depende de chuvas que não podem ser previstas no longo prazo. Destacou que os consumidores, em especial aqueles intensivos em energia, têm de estar atentos e buscar alternativas como a geração distribuída.  

“Acredito que cada vez mais se deva ter um consultor de confiança e fontes confiáveis de pessoas que possam fornecer dicas de como você pode resolver suas preocupações relacionadas à energia elétrica. Além disso, no curto prazo, diria nos próximos 3 ou 5 anos, enquanto tivermos esse modelo de cálculo e sinais de preços, e essa matriz mais concentrada na geração hidráulica, essa volatilidade vai continuar existindo”, afirmou o CFO da Enel Américas. 

O papel da transmissão na transição energética – Denise Francisco, CFO da Evoltz, disse acreditar que o setor de transmissão de energia será fundamental para auxiliar no crescimento do sistema, possibilitando a transmissão das energias renováveis produzidas no Norte e no Nordeste aos centros consumidores de energia elétrica.

“O Brasil apresenta desafios transcontinentais, mas a governança do setor, o ambiente de estabilidade da ANEEL e toda a seriedade dos estudos que são conduzidos pela EPE são fundamentais e atraem muitos investidores. Precisamos continuar crescendo para atender esse processo de geração renovável. Virão muitos investimentos e precisamos continuar atraindo capital com esse ambiente de estabilidade”, destacou a executiva. 

Modelo de remuneração sustentável – Leonardo Gadelha, CFO e DRI da Neoenergia, afirmou que 2021 foi um ano de muita volatilidade que impactou as distribuidoras. Explicou que o operador precisou adicionar muita capacidade ao sistema, tendo de colocar em funcionamento o parque de geração térmica e iniciar a importação de energia a um custo muito elevado. Esse valor acaba sendo pago pelo consumidor, mas, até o próximo reajuste tarifário, são as distribuidoras que acabam financiando essa conta.

Nesse cenário, as distribuidoras têm sofrido muita pressão no capital de giro. “Precisamos de um modelo de remuneração em que a distribuidora seja uma gestora de redes, isto é, não mais fazendo comercialização da energia, mas gerindo a rede. É necessário separar a distribuição da comercialização. Acredito que esse é um ponto central na agenda regulatória”, disse o executivo. 

Risco hidrológico – O GSF (Generation Scaling Factor), sigla em inglês para o risco hidrológico, é fator que calcula a diferença entre a energia efetivamente gerada pelas usinas hidrelétricas e a sua garantia física. Ele está diretamente relacionado ao funcionamento de todo o mercado e aos ganhos das usinas geradoras. O GSF é um fator de “rebalanceamento” que determina quanto cada usina vai receber de energia, independentemente do quanto produziu, já que considera a capacidade de produção de todo o sistema. 

Risco hidrológico – Marcelo Jesus, CFO da Cesp, afirmou que apesar dos investimentos em fontes renováveis, a matriz energética brasileira ainda é muito dependente da geração hidráulica, ficando exposta a um alto risco hidrológico. Em situações de crise, o Operador Nacional do Sistema aciona outras fontes e aquela “empresa geradora que tinha os seus contratos já vendidos e a obrigação com seus clientes muitas vezes fica sem aquela energia que não é autorizado a despachar. Então ele fica com essa exposição tendo que comprar energia no mercado e, com toda essa volatilidade, tendo que despachar térmicas que são mais caras. Ele acaba ficando com essa exposição”. 

Essa característica da geração, apresenta risco e induz uma avaliação do investidor de como ele continuará investindo na hidrelétrica e como poderá vender seus contratos. “Nesse ponto deve tocar a modernização do setor elétrico. A primeira coisa a ser feita para equalizar e tirar esses riscos do sistema deveria ser a revisão de garantias físicas e a revisão do condomínio MRE [Mecanismo de Realocação de Energia] como um todo”, opinou Marcelo Jesus. 

Volatilidade de preço – Os especialistas apontaram que a volatilidade dos preços deve se manter nos próximos anos devido à grande dependência hídrica. Nesse sentido, a modelagem de preços deve ser atualizada, pois ainda reflete a estrutura predominantemente hidrelétrica de décadas passadas, devendo possivelmente ser introduzido um modelo híbrido, com uma componente matemática – apta a realizar o despacho otimizado das hidrelétricas – e outra relacionada à oferta ou à redução de demanda de quem pode se autodespachar. “Podemos construir um modelo mais aderente à nossa realidade atual e futura”, afirmou Cyrino. 

Para evitar volatilidade, os especialistas aconselham os consumidores que possuem altos custos de energia a buscar o apoio de consultorias e a contratar energia de mais longo prazo, para poder obter mais previsibilidade. “Como CFOs, nos cabe entender esse ambiente regulatório, a nossa matriz de consumo, quais são hoje as oportunidades e que o planejamento não existe mais. Você precisa estar constantemente buscando alternativas, a não ser que tenha seus contratos de longo prazo estabelecidos”, concluiu Denise Francisco, CFO da Evoltz. 

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